domingo, 21 de outubro de 2012

Só para meninas



De cultura diferente, mas loucas para participar de rito de passagem americano, jovens vão à luta e organizam festa alternativa


Estava quase tudo pronto para o baile de formatura no salão de colunas gregas enfeitadas com laços rosa e branco e taças de plástico.
Mas ao olhar seu reflexo no espelho, observando seu vestido lavanda de um ombro só e ajustando o hijab que emoldurava seu rosto em uma cascata de flores - um estilo que aprendeu no YouTube -, Tharima Ahmed sabia que o que estava por vir era mais do que simplesmente um baile.



Como organizadora do primeiro baile de formatura apenas para garotas da Escola de Ensino Médio Hamtramck, uma festa que se adapta às crenças religiosas que proíbem o namoro, a dança com meninos e mesmo aparecer sem lenço sobre a cabeça na frente de pessoas do sexo masculino, Ahmed, 17, estava forjando um novo rito de passagem para adolescentes muçulmanas que antes tinham como única opção passar a noite do baile em casa.
"Oi, gente. Quer dizer… oi, meninas", disse Ahmed, uma americana cuja família é de Bangladesh, diante de outras cem meninas de diferentes origens - iemenitas, polonesas, palestinas, bósnias e africanas.
Assim foi o baile de formatura em Hamtramck, uma cidade de 22,5 mil habitantes da classe trabalhadora que fica no subúrbio de Detroit e que já foi predominantemente alemã e polonesa, mas tornou-se uma das cidades mais diversas do país.
Nestes tempos de saltos altíssimos e decotes cavados, a transformação de adolescentes que costumam usar jeans e camiseta em adultas elegantes e quase irreconhecíveis é uma tradição americana muito aguardada todos os anos. Mas no baile apenas de meninas, houve uma mudança ainda mais significativa, já que algumas colegas de Ahmed, normalmente escondidas em uma abaya, o tradicional manto muçulmano, literalmente soltaram seus cabelos em público pela primeira vez.
Eman Ashabi, uma iemenita que ajudou a organizar o evento, chegou em um vestido rosa, com seus cabelos negros caindo em ondas perfeitas por suas costas. Como muitas ali, ela surpreendeu suas amigas.
"Elas me diziam 'Meu Deus, é assim que você é por baixo dos panos!'", disse Simone Alhagri, uma iemenita.
A festa foi o desfecho de sete meses de planejamento intenso no qual a comissão arrecadou US$ 2,5 mil, principalmente através da venda de bolos. Ignorando os opositores que não podiam imaginar alguém em um baile sem meninos, Ahmed e suas amigas primeiro fizeram uma pesquisa sobre todas as meninas da escola. Elas descobriram que 65% não poderiam participar do baile por alguma divergência religiosa ou cultural. Após um debate, a escola apoiou a alternativa das estudantes.
Além de meninas muçulmanas (e ex-alunas que nunca tiveram a oportunidade de ir ao baile de formatura), as não muçulmanas também quiseram participar.
"Quero apoiar as minhas meninas", disse Sylwia Stanko, que nasceu na Polônia e cujas amigas são na sua maioria bengali e árabes. "Sei o quão importante isso é para elas".
Em nítido contraste com imigrantes anteriores, trazidos para a região por causa pela antes próspera indústria automobilística, um quarto dos moradores de Hamtrack agora vive abaixo do nível federal de pobreza.
"As pessoas aqui trabalham fora e têm suas dificuldades", disse o prefeito Karen Majewski, um historiador húngaro e dançarino folk. "É preciso haver integração".



Na escola, que tem 900 estudantes, muitos não muçulmanos respeitosamente ocultam suas garrafas de água e alimentos durante o Ramadã. O baile representa outra ampla mudança cultural.
"Vinte anos atrás, os pais tiravam suas filhas da quinta série para colocá-las em casamentos arranjados", disse Chris Bindas, assistente de biblioteca que levou pastéis de nata para o baile. "Agora essas mesmas meninas vão para a faculdade" – ainda que a uma faculdade perto de casa, para que as meninas possam continuar a viver com seus pais.
Ahmed, que pretende trabalhar enquanto estudar na Universidade Estatal de Wayne, em Detroit, se inscreveu para tentar ganhar 27 bolsas de estudo. "Esta é a minha fraqueza", disse ela sobre suas dificuldades financeiras. "Mas também é meu ponto forte."
No sábado à noite, quando as luzes tomaram conta do salão, os comentários tímidos de "Oh, você está linda!" e "Nossa, amei seus sapatos!" deram lugar à música, com as meninas dançando e se abraçando imersas em descrença e alegria.
Elas pararam às 20h para a oração. Depois, quando a rainha do baile foi escolhida, não foi nenhuma surpresa - exceto para ela - que Ahmed tenha sido coroada com a tiara cerimoniosamente colocada em cima de seu hijab. Em meio a pequenos gritos, ela se esforçou para manter a compostura. Seu rímel não teve tanta sorte.
Em seguida, o salão irrompeu com uma canção da banda 3alawah e as meninas se uniram na debka, uma dança do Oriente Médio. Todo mundo de mãos dadas, serpenteando ao redor do buffet de sobremesas e das colunas decoradas.
A energia eufórica de cem jovens mulheres sentindo-se vitoriosas e belas encheu o salão.
Por Patricia Leigh Brown



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